Stuck in Baltimore: Quem tem medo de John McCain?
Durante as primárias republicanas para a eleição americana de 2000 (que acabou desembocando no imbroglio Gore vs Bush mais tarde), eu tentei argumentar com um colega de universidade que, se tivesse que escolher, preferiria ver John McCain como candidato republicano à presidente do que George Bush. Bem, antes de tudo, é melhor deixar claro que jamais teria votado em nenhum dos dois (Bush ou McCain, se ele tivesse ganho a candidatura); pra que entendam de onde vem meu ponto de vista.
O problema do colega em questão é que ele era um desses que "vê" tudo em preto ou branco. "Como poderia logo você dizer que apoiaria um candidato republicano?", argumentou ele (o que aliás, não foi o que eu disse). Na minha inocência, achei que seria óbvio imaginar qual seria o melhor do pior caso (uma vitória dos conservadores). "Daqui a pouco você vai estar apoiando Pinochet também", prosseguiu essa pessoa que, ironicamente, além de nunca ter pisado na América do Sul ou vivido debaixo de uma ditadura, achava ter uma cabeça aberta (interessante como, às vezes, estes são os mais intolerantes). Não vou entrar em detalhes do que acho dessa ofensa mortal em dizer que eu apoiaria um assassino como Pinochet. Basta dizer que deixei bem clara a insensatez de sua frase.
Enfim, para essa pessoa (e grande parte do público americano) o grande problema de McCain era sua suposta "bagagem" psicológica. Como veterano e prisioneiro na Guerra do Vietnã, existiam os rumores de que ele seria mentalmente instável e impulsivo demais para ser presidente. Ironicamente, meu "amigo" intolerante também não percebeu que boa parte dessa fama se devia à uma tática nefasta, desonesta e covarde de difamação por parte de grupos relacionados ao então candidato rival, George W. Bush. A tática surtiu o efeito desejado (e funcionou como base para o igualmente condenável ataque à John Kerry, 4 anos depois). McCain perdeu a candidatura e o resto é história.
Mas John McCain não desapareceu do cenário político americano. Ao contrário, se fala mais do que nunca em sua candidatura em 2008. Então, ficam as seguintes perguntas: quem é John McCain? Seria ele um conservador como Bush? Um desequilibrado mental? Um militarista desenfreado? Ou alguém que poderia ter sido melhor presidente do que George Bush? Vale a pena clarificar novamente: a realidade impõe que um candidato democrata poderá perder novamente em 2008, então espero que me permitam falar de McCain como o estranho no ninho político que ele é.
McCain nasceu na Zona do Canal de Panamá e cresceu num ambiente com fortes laços militares. Não teve muita sorte em guerra: quase morreu após um grave acidente num porta-aviões e acabou sendo abatido, mais tarde, sobre o Vietnã do Norte em uma missão aérea. Ficou preso por 5 anos e meio, onde foi maltratado e torturado. Os problemas físicos gerados em sua estadia no Hanoi Hilton encerraram sua carreira militar. Concordo que pode se ter ou não simpatia por isso. Afinal de contas, McCain era um combatente. Ele até teve mais sorte do que muitos civis vietnamitas que morreram durante os terríveis bombardeios aéreos do período ou do que milhares de outros soldados americanos que nunca deixaram as selvas do Vietnã. O que não se pode contrariar é que ele comeu o pão que o diabo amassou. Algo que o atual Presidente não o fez.
Mas quem é John McCain, politicamente falando? Nas palavras de alguns colegas de partido, McCain é "republicano só no nome". Tudo isso graças à uma tendência muito mais moderada do que a média Republicana, o que o levou a ter inúmeros arranca-rabos com os ultra-conservadores que ocupam vários cargos no poder atualmente. Apesar de ser claramente pró-militar, McCain tem uma longa lista de votações contra interesses industriais corporativistas. Também votou à favor de regulamentações financeiras nas campanhas políticas milionárias e apoia projetos que expandam e protejam a imigração legalizada, entre outras ações sociais.
Então, quais são os problemas com McCain? Ele é contra o direito ao aborto (razão pela qual jamais votaria nele) e foi intensamente à favor da guerra no Iraq. Mas até mesmo nessas questões é difícil defini-lo: ele pediu a renúncia de Donald Rumsfeld (seu desafeto) e foi terminantemente contra a campanha sorrateira de desmerecer o histórico militar do democrata John Kerry (que é seu amigo pessoal). Também fez inúmeras amizades com pacifistas americanos e políticos que se encontravam do outro lado da “cerca”, nos anos 60. Além do mais, como falei no post anterior, ele está tentando orquestrar uma volta ao centro do discurso político americano, longe do extremismo exibido pela Casa Branca. Se sua candidatura é ideal (ou mesmo viável) depende de muitos fatores ainda indefinidos, além das reservas à ele dentro do seu próprio partido. Mas o fato é que John McCain pode ser considerado um aliado racional ou um traidor inveterado, dependendo do ponto de vista. Se ele vai continuar sobrevivendo até chegar à presidência, isso são outros quinhentos.
by Fernando.
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