Tuesday, March 22, 2005

Ave Ganesha

Uma vez eu já comentei aqui o meu desânimo com a culinária e os restaurantes americanos. Mas se tem uma coisa aqui que atiça o meu desejo, os meus sentidos, é a comida indiana. É uma riqueza de cheiros, sabores e texturas, que eu sempre devoro com intenso prazer e satisfação. Amo curry, daal (lentilhas), naan (pão), chicken tandoori, samosa (um pastel de forno com recheio de batata e outros legumes e temperos), chutney, e dá para montar um prato do jeito que a gente gosta no Brasil: arroz, daal substituindo o feijão, galinha e legumes, e para arrematar, o pão para passar nos diferentes molhos. Até o ano passado, eu vivia num buffet indiano chamado Jag's, cujo dono era o próprio chef e garçom. Fui uma de suas primeiras freguesas regulares; pedi a ele para diminuir a spicyness do curry e ele atendeu. Quando o Larry Rohter escreveu no NYT que o Lula era bêbado, Jag me sacaneou. Mas Jag estava velho e cansado, e decidiu fechar o restaurante em junho do ano passado. Fiquei arrasada, perdi meu lugar preferido para almoçar. Não há nenhum outro restaurante indiano nas redondezas. Até que, em fevereiro de 2005, chegou minha salvação. Um colega meu do trabalho, que foi do Peace Corps no Nepal, me indicou um novo restaurante indiano-nepalês que abriu pertinho de onde era o Jag's, oferecendo também buffet para almoço. Gente, agora não saio mais do Katmandu, como lá no mínimo duas vezes por semana. A variedade de pratos é enorme, e ainda por cima as sobremesas são deliciosas. Tem o arroz doce cremoso com pistaches, um negócio branco que lembra aquele doce de leite em quadrados, um bolinho de massa embebido em mel.

Ontem, minha colega americana que também é fanática por comida indiana começou a puxar papo com um dos donos, na hora de pagar o buffet no caixa. Ela queria saber porque a "deusa" naquele quadro tinha uma cabeça de elefante. O rapaz sorriu, se animou todo e começou a contar uma longa história sobre esse deus, que é homem e se chama Ganesha. O problema é que o sotaque dele era carregado, eu e Michelle não entedemos absolutamente nada, a não ser o final em que ele disse "matou o próprio filho" e "ir na floresta pegar a cabeça do primeiro ser que encontrasse". O rapaz ria, dizendo, "não é uma história engraçada"? E eu respondi, meio espantada, "mas é um pouco triste também, né?" Claro que fiquei intrigada e fui pesquisar sobre a história do Ganesha na internet. E o pior que a história é engraçada mesmo.

Diz a mitologia hindu que a deusa Pavarti criou Ganesha a partir do ungüento de sândalo e pediu que ele montasse guarda à sua porta enquanto ela se banhava. O marido de Pavarti, o deus Shiva, chegou e se sentiu insultado quando Ganesha impediu a sua entrada. Num só golpe, cortou a cabeça do coitado. Quando Pavarti perguntou a Shiva onde estava o filho deles, que ela havia acabado de criar, Shiva ficou em maus lençóis. Ordenou então a seus guardas que fossem à floresta buscar a cabeça da primeira criatura que vissem, e a colocassem no corpo de Ganesha para fazê-lo voltar à vida. Daí surgiu a figura dessa divindade, que é considerado o deus dos recomeços, do início de uma nova vida, da prosperidade, e também um guardião e protetor dos inocentes contra o mal. Quadros e estátuas de Ganesha enfeitam festas de casamento, templos, casas, lojas e restaurantes, e um festival de 10 dias (Ganesh Chartuti) celebra o nascimento de Ganesha na Índia, entre agosto e setembro. Sua figura é rechonchuda e simpática, e ele é sábio, brincalhão e adora doces, principalmente o modak (veja a receita aqui), que costuma aparecer em uma de suas quatro mãos quando é representado na arte indiana.

Hoje de manhã comentei com minha colega, indiana das Ilhas Fiji, que adorei conhecer o Ganesha. Sei o que é recomeçar do zero, adoro guloseimas, e também sou meio goofy. Minha colega contou que recentemente, na Índia, a estátua de Ganesha num templo teria começado a verter leite pela tromba, gerando comoção entre hindus do mundo todo e iniciando uma peregrinação ao local (ela não lembra onde era). Nós rimos, enquanto lembrei de outras histórias semelhantes de santas católicas que choram, sangram, ou aparecem em janelas e sanduíches.