Monday, June 06, 2005

Stuck in Baltimore: Should I stay or should I go?


O debate sobre as pesquisas de células-tronco continua quente aqui nos EUA, com três campos ideológicos mais ou menos definidos. O primeiro é aquele a favor das pesquisas e que inclui a maioria da comunidade científica. O segundo é totalmente contra, e tem uma boa fatia dos Republicanos, além da quase totalidade dos conservadores religiosos. E a terceira é uma massa indefinida, onde co-existem religiosos mais tolerantes e secularistas com dúvidas em relação ao benefícios e perigos da pesquisa em si, ou seja o pessoal "middle of the road" como se diz por aqui.

O problema da discussão é que ela está sendo usurpada, no momento, por uma ala (os religiosos e conservadores mais radicais) que se vê no direito de influenciar as decisões governamentais mais importantes, aliado à uma Casa Branca que decidiu ver o resultado das eleições (51% à 49% até onde eu lembro) como uma carta branca à todos os seus caprichos. Dentro do partido republicano, encontram-se figuras como o líder da republicanos Tom DeLay (uma figura particularmente sinistra, que merece um post à parte) e Rick Santorum (um senador que pode andar cogitando uma candidatura presidencial em 2008), que são totalmente contra qualquer tipo de pesquisa que inclua células-tronco, além de outras controversas posições pra lá de conservadoras.

Como era de se esperar, a ala mais conservadora interpreta essas pesquisas como um assassinato de embriões, além de um passo em direção à clonagem de seres humanos. No primeiro aspecto, ela retrocede ainda mais na sua definição anti-aborto sobre quando começa a vida humana, já que estes embriões não passam de um punhado de células. No segundo, volta-se ao velho embate entre o que a ciência pode fazer e o que se deve deixar exclusivamente ao domínio celestial. É difícil discutir com um grupo que vê tudo através de uma visão amplamente distorcida da Bíblia, onde quem quiser argumentar com fatos acaba sendo visto como um infiél, pervertido ou amoral (tal qual os seus "primos" wahabistas o fazem).

A grande contradição (e desonestidade) na posição deste grupo é que a grande maioria dos embriões destinados à estes estudos, que são produzidos em clínicas de fertilidade, serão destruídos com ou sem pesquisa. A gritaria histérica sobre os pobres embriões ou a patética apresentação de Bush com criancinhas que saíram de tais clínicas jamais mudará este fato. Por outro lado, o debate sobre a ética da ciência merece uma contemplação mais séria do que anda recebendo. Em particular, com a parcela da população que anda no muro.

Não é excessiva tolerância ver as dúvidas desta parte da população (religiosa ou não) como aceitáveis. Estes são os grupos que devem ponderar a pergunta fundamental deste campo: até onde a pesquisa pode ir na cura de doenças que hoje em dia matam milhares de pessoas (incluindo crianças)? Quais as barreiras que devem ser impostas para evitar abusos dessa nova tecnologia? Abusos que, por sinal, podem acontecer em todas as áreas (nuclear, por exemplo). Enfim, o que deve ser moralmente mais aceitável: a destruição de embriões que nunca serão utilizados ou a possibilidade (mesmo que remota) de cura para milhares de terríveis doenças?

Um golpe duro aos conservadores aconteceu recentemente, quando a Coréia do Sul anunciou novos avanços nesse campo. Para um país que sempre estimulou a pesquisa científica em favor da sociedade, os EUA estão arriscando ficar pra trás em diversas áreas, graças ao fervor moralista e ao temor de novos ataques terroristas. Coincidentemente ou não, boa parte dos republicanos acabou quebrando a linha partidária e apoiando uma lei em favor à pesquisa. Num claro sinal de que mais cedo ou mais tarde, o país como um todo vai ter que decidir o que quer da vida e de suas células-tronco.

by Fernando.