Wednesday, June 15, 2005

Stuck in Baltimore: A Beneficiente Coalizão dos Metidos


É engraçado como alguns dos maiores problemas da raça humana se iniciam quando alguém quer porque quer que os outros se conformem às suas idéias. Seria hipócrita dizer que isso só acontece com a direita ou a esquerda, já que existem amplos exemplos de que isso é uma característica humana, mais do que política. Conciliar opiniões, egos e estilos de vida através da lógica, do estado de direito e do mérito da questão é uma tarefa difícil. Mas isso é, pra mim, o que a política deveria representar; e não esse ambiente de gritaria histérica e de bullyism que se apossou do mainstream dos EUA nesta última década. Hoje, infelizmente, a Casa Branca parece comandada por analistas que conseguem polarizar toda e qualquer questão. Em homenagem ao novo recorde negativo de aprovação de Bush (um dos presidentes reeleitos com a menor margem de votos de toda a história americana), algumas das questões que foram transformadas (ainda mais do que já eram) em batalhas ideológicas:

- O direito ao aborto. Alguém já defendeu o aborto em si? Alguém já disse que abortar é um barato? É interessante como o lado conservador desistiu de se chamar "anti-abortion" para virar "pro-life" ("pró-vida"). É (ironicamente) mais politicamente correto e soa melhor, não? Tanto faz que a mãe morra, ou que tenha ocorrido estupro. Como discutir com argumentos desse calibre? Essa visão distorcida já perdeu em 1973 e acho que voltarão a perder agora. Porque defender o direito não é glamourizar o aborto, que em si é e sempre será uma coisa traumática e terrível, em qualquer circunstância. Mesmo assim, ainda pipocam neste país grupos conservadores com nomes como "Coalition of Concerned Citizens" que não conseguem dissociar um caso e outro e que querem impor sua "moral" sobre o resto do país.

- A pesquisa científica. Já falei sobre o caso das células-tronco. Novamente, o problema não é usar fetos que eventualmente virariam crianças. O problema é usar embriões que, na maioria dos casos, não serão utilizados de forma alguma. Ou seja, se você sofre de alguma doença incurável, continue sofrendo de graça, porque o pessoal que define um punhado de células como uma pessoa também não vai salvar nenhuma vida com isso.

- O uso da marijuana medicinal. Mais um caso de cegueira ideológica e onde o sofrimento (essa tara da religião mundial) parece ser o ponto central. Tanto faz que Angel Raich (uma usuária americana que tem um filho enlistado no exército estadunidense) sofra de graves e dolorosos problemas crônicos de saúde, além de ter um tumor cerebral. Ela vai passar a ser considerada uma criminosa como qualquer outro viciado em drogas. É difícil encontrar uma decisão menos acertada do que esta, até porque não se está falando em liberização de drogas ao público em geral. Talvez Angel Raich possa agora passar a se alcoolizar para esquecer a dor, como já o fizeram por diversão George W. Bush e um dos líderes Republicanos, Tom Delay.

- O ataque religioso à Biologia. Sim, porque quando a religião decide meter-se onde não tem direito, o que se está atacando não é o Darwinismo ou a Teoria da Evolução, mas a Ciência como um todo. Incluir referências religiosas (como o "Intelligent Design"), mesmo que sorrateiras, é exatamente isso. Demonstra, além de ignorância, uma soberbia de que se você não acreditar piamente no que diz a Bíblia então, além de pecador, você é uma besta quadrada por achar que há qualquer chance de sermos parentes diretos dos símios (e ainda vão, idiotamente, fazer graça: "Ha ha, teu avô era macaco!"). Afinal de contas, o que chateia os religiosos não é a pluralidade de teorias existentes sobre o assunto. Mas sim o fato de sua própria visão não ser considerada como a verdade absoluta por toda a sociedade. Mesmo que a ciência já indique a beleza e complexidade de uma natureza pra lá de arrebatadora. Já tentaram o mesmo com Galileu e muitos outros e tenho certeza de que, mais cedo ou mais tarde, eles também vão perder esta parada.

- Os anti-concepcionais. Novamente, outra questão de "se eu não faço, ninguém deveria fazer". E o resto (e suas consequências) que se dane. Talvez tenham esquecido que a prostituição, o adultério e outras fraquezas humanas não são exclusividade do que certos grupos gostam de intitular "estilos de vida deviantes". Eu até entendo que eles decidam ser contra isso dentro de suas comunidades (afinal de contas, se alguma adolescente engravidar ela não vai poder abortar e aí eles é que vão ter que se virar). Mas usar a África ou o resto do mundo como cativeiro religioso de idéias que deveriam ter ficado na Idade Média é, no mínimo, criminoso. Enfim, como com todos os moralistas, é mais um caso de "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço".

Se existe uma fraqueza na aliança conservadora-religiosa, é justamente essa contradição entre o desejo por um estado menor, com mais responsabilidade individual dos cidadãos e menos impostos, e essa mentalidade de querer que todo mundo se conforme à coletividade religiosa e linha-dura. Porque o problema aqui (na maioria da vezes) não é alguém tirar os seus direitos, mesmo que eles gostem de se fingir de vítimas, mas sim o fato de que existem milhões de outras pessoas que não pensam e não agem como eles. Fica a nítida impressão de que parte dos conservadores defendem o direito individual sempre e quando este seja exatamente aquele que lhes interesse. Ainda acho que isso vai levá-los à perda do poder, se os democratas conseguirem sair do marasmo ideológico em que se encontram atualmente.

by Fernando